Em 1981, Leda Beatriz Abreu Spinardi, mais conhecida como Ledusha, lançava por conta própria um de seus livros mais aclamados: Risco no Disco. Era a época das publicações de mimeógrafo, xerox, colagens. Os livros se faziam a muitas mãos de poetas - e assim foi Risco no Disco.
Em 2021, Dimitri BR, Estela Rosa e Gustavo Galo imaginaram o Disco no Risco, que - graças à colaboração de um time incrível de artistas - se tornou realidade bem a tempo de comemorar os 70 anos de vida da poeta: o álbum foi lançado no dia 12 de julho pelo selo Pequeno Imprevisto em parceria com o coletivo Mulheres que Escrevem. Naquela semana, ainda rolou show na Livraria Megafauna, em São Paulo.
Assim como o livro, o álbum foi feito a muitas mãos: Disco no Risco traz poemas de Ledusha musicados por Juliana Perdigão, Dimitri BR, Natasha Felix & Bianca Zampier, Júlia Rocha & Gustavo Galo, Peri Pane, Bruna Lucchesi, Mariano Marovatto e Luca Argel, com Otávio Carvalho e o Estúdio Submarino Fantástico na mixagem e produção musical. Cada artista escolheu um poema e imprimiu nele suas melodias e ritmos, criando um álbum para celebrar em vida Ledusha, esta poeta tão importante para nossa poesia brasileira e mundial, e levar sua obra a novos olhos e ouvidos.
8 artistas participantes de Disco no Risco contam aqui seus processos criativos, em um faixa a faixa que é também um poema a poema:
Mariano Marovatto sobre Ali onde a ausência
Às vezes é mais fácil fazer conjecturas depois de acabada a música, a gravação, o poema, o que quer que seja. Foi assim que aconteceu comigo. "Ali onde a ausência" é um poema de Lua na Jaula, livro publicado pela Ledusha em 2018. É um poema um tanto mágico, um tanto taoísta, um tanto da ordem das bruxas. É parente de outros poemas da Ledusha, como aquele chamado "Silêncio", que diz: "crepitante e diáfana a ninfa". Ou o poema que ela fez para o Waly que diz: "meu olhar doido dandy / lança um dado / na cara do tigre". Quando surge um tigre num poema, Ledusha está fazendo poções de amor e mistério. Aí a melodia do poema acabou ficando meio simsalabim também. O arranjo foi escurecendo com a madrugada e, rapidamente, no tamanho da música, logo se tornou dia. É uma canção parente das canções de outros dois poetas/músicos também amo e admiro: Ismar Tirelli Neto e Trish Keenan. Fico feliz em juntar todo mundo em torno desse caldeirão, dessa fogueira, a espreitar os tigres domados da Ledusha.
Luca Argel sobre Quem Dera
O grande desafio de musicar poemas sem uma métrica bem definida, pra mim, é achar o ritmo dele. Porque mesmo que não tenha uma métrica regular, todo texto tem um ritmo subjacente. Daí o processo é encontrar esse ritmo, esticando uma sílaba aqui, outra ali, até que a leitura em voz alta comece a se parecer cada vez mais com um canto. Depois que essa parte ficou definida, foi só repetir o processo com o violão na mão, que a melodia se revelou.
Bianca Zampier e Natasha Felix sobre Flagra
Recebi os áudios da Natasha Felix com os poemas escolhidos para nossa parceria e fiquei completamente obcecada com as estrofes “o futuro não existe/ (dizem)/ mas eu insisto”. Diria que acabou se tornando a paisagem sonora do que compus para a faixa Flagra. A música eletrônica sempre trouxe para mim, lá no começo dos anos 2000, uma ideia de um futuro que acabou não acontecendo; A minha missão aqui foi insistir. (Bianca Zampier)
'Flagra’ é uma costura de quatro poemas presentes em Finesse & Fissura. O que existe entre eles é justamente a sedução, a tentativa de capturar algo que está no ar. Esses fragmentos rasteiros colocam desejo e palavra na mesma condição: a de quem quer permanecer ''na voltagem do amor''. (Natasha Félix)
Bruna Lucchesi sobre Finesse & Fissura
musiquei 'finesse & fissura' de sopetão. não conhecia a obra da ledusha até o galo entrar em contato comigo para fazer parte do projeto que já estava em andamento. Recebi os livros numa sexta-feira para, talvez, gravar uma canção na próxima segunda ou terça. o primeiro livro que abri foi 'finesse & fissura' e logo ali depois do "nocaute" estava o próprio poema. me identifiquei de primeira. folheei mais um pouco e voltei pra finesse, na fissura de criar algo logo, já que não havia muito tempo. abri um G7 que já soava na minha cabeça nesses tempos juninos, veio uma levada de fisgadas e a melodia saiu das próprias palavras.
Júlia Rocha e Gustavo Galo sobre Estalo a Língua
musicamos o poema da leda em uma madrugada. acho que foi quase um mês depois do lírio ter nascido. abrimos o livro e aconteceu. a língua e o canto presentes no poema, duas das paixões com as quais trabalhamos, acendeu a noite. na semana seguinte gravamos. foi a primeira ida ao estúdio acompanhados do nosso filho.
Dimitri BR sobre Moço Lindo
o “moço lindo” do título é o Cazuza - amigo e parceiro da Ledusha, a quem ela dedicou o poema. assim que li, já o imaginei como um rock abluesado à moda do homenageado, e a música saiu em poucos minutos. pra fazer o arranjo, escutei vários blues do Cazuza, em especial gravações ao vivo. na hora de cantar, tomei um gole de uísque, mandei um IÉ rasgado em sua intenção - e estava pronta moço lindo, a canção.
Ouça o Disco no Risco aqui: